segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A viagem

Ficar em casa a olhar para o tecto do quarto não era nada que me apetece-se, semanas inteiras a trabalhar e ir para casa sem sair e ver gente estava a dar comigo em doida.
Já era demasiado tempo longe das pessoas e das coisas que realmente gostava de fazer. Para desanuviar o ar pesado que carregava no rosto e que já era notório a quem me rodeava, lavei a cara de preocupações e obrigações, e maquilhei-me para mudar, vesti uma roupa casual e sai porta fora com as chaves do carro na mão e ainda sem saber para onde ir. Sentei-me no banco do carro e liguei o motor.
Quando comecei a conduzir só conseguia pensar numa coisa, vou andar, andar, andar, deixar as horas passar sem me preocupar se amanhã tenho de ir trabalhar, queria relaxar, ver outros ambientes que não os habituais, ver pessoas, nem que fosse só para observa-las…
Arranquei na minha demanda, á procura não sabia do quê.
O barulho do motor do carro ia desaparecendo á medida que os meus ouvidos se habituavam ao som, e ai os pensamentos começaram a jorrar na minha cabeça, coisas de nada e coisas mais importantes tomavam de assalto a minha estabilidade e assombravam a minha vontade de continuar a galgar estrada, mas não parei, e deixei que fluíssem ate pararem de me torturar e desaparecessem por completo da minha mente, agora nada me passa pela cabeça, só o anseio pelo asfalto.
Chovia, não muito mas o suficiente para acordar alguma nostalgia, lembrei-me de tantos momentos passados em dias de chuva. Em casa ou na escola, as brincadeiras de crianças que não tinham medo de ficar doentes e saiam para brincar á chuva e fazer possas de lama com as botas de borracha. As gotas grandes e frias não tiravam a vontade de correr pela rua que era maior ainda, fez-me sorrir, olhei em volta para ver onde andava e vi terras cobertas de ervas verdes e viçosas com aquela água a cair sobre elas, era como vida nova, tudo lavado e limpo, abri um pouco o vidro, veio o cheiro doce e fresco da terra molhada.
Poucos carros passavam por mim na estrada, ao que eu agradecia pois não me apetecia nada ter cortes naquela visão do mundo, continuei a andar.
Viajar de carro sempre foi uma das minhas grandes paixões, adorava conduzir durante horas a fio e só para jantar num restaurante local, dormir e conhecer o sítio logo pela manhã do dia seguinte, e partir depois do almoço, na minha cabeça havia sempre muito para ver, e faze-lo de carro era óptimo. Não imaginam a quantidade de informação fotográfica que guardamos no nosso cérebro. Parece que tudo nos chama a atenção e como estamos limitados de tempo, que remos reter tudo na nossa memória fotográfica, e, a verdade é que ficam mesmo…guardo muitas na minha.
Estava a precisar de mais momentos desses.
Não á quanto tempo estava a conduzir mas deve de ter sido durante horas. Tinha saído de casa sem comer, e o meu estômago estava a pedir combustível, o carro também.
Parei mais uns quilómetros a frente numa estação de serviço, enchi o deposito e depois estacionei no parque para comer qualquer coisa mesmo por ali.
Entrei dentro do que anteriormente deveria ter sido uma zona de serviço bem movimentada, era uma sala de refeições ampla toda apetrechada com mesas, buffet e maquinas de self-service, mas aparentava um pouco de abandono e falta de uso, estava frio lá dentro. Fui até ao balcão onde um senhor com um ar muito simpático e rosado me veio perguntar o que desejava.
- Por acaso servem refeições? – Perguntei.
- Sim, mas estamos u pouco limitados, como já reparou o movimento já não é o que era e só fazemos um prato do dia e sopa, hoje temos ………
- pode ser preciso de comer bem tenho uma viagem longa para fazer.
- á sim para onde vai?
Confesso que a pergunta dele pareceu-me impertinente, não o conhecia de lado nenhum, mas tinha um ar tão simpático que não dei importância á sua curiosidade. Por outro lado nem lhe sabia responder, nem eu sabia para onde ia.
- vou conhecer uns lugares aqui perto ouvi dizer que são bonitos.
- á sim por estas bandas tem muito para ver mesmo, faz muito bem menina, pouca gente se dá ao trabalho de andar de carro por estas estradas e conhecer as coisas bonitas que temos por cá, só pensam aviões, estrangeiro, quando existe um pais lindo para correr mesmo que se ande sozinho estas paisagens não deixam sentir só.
Sorriu e saiu para me ir buscar a refeição.
Deixou-me sozinha a pensar no que me tinha dito.
Durante aquelas horas todas, entre a condução, a paisagem e algumas recordações ainda não me tinha sentido só. Estranho, porque tinha saído de casa naquela manhã precisamente por causa disso. Eu sentia-me só e queria sair, e até aquele momento não estava de todo a sentir-me só, tinha muito para me entreter, para ocupar a cabeça, tudo á minha volta me dizia alguma coisa de certa forma.
Comi a minha refeição e sentei-me ao volante de novo, decidi que não ia voltar para casa naquele dia, ia procurar uma pensão ou coisa do género para dormir e voltava no dia seguinte para casa.
Andei mais uns quilómetros, estava a ouvir musica no rádio e a cantarolar quando me apercebi que o carro estava a fazer um barulho estranho. Baixei o som do rádio, e as minhas suspeitas confirmaram-se, havia um som qualquer que me perturbou a calma que estava a sentir, não passou muito mais tempo até o carro começar a gaguejar, tive de encostar á beira da estrada, não podia continuar assim sem ver o que se passava.
Parei e sai do carro ainda sem acreditar no que me estava a acontecer. Olhei em volta, estava no meio de nenhures e nem sinal de um carro á vista, para além disso chovia mais agora. Só me apeteceu gritar, mas ao contrário disso soltei uma gargalhada e abri os braços, brindei a chuva e senti as gotas geladas a baterem-me nas pestanas, sabia-me bem brindar a chuva.
Abri os olhos respirei fundo e entrei para dentro do carro, pensei em ficar uns momentos com ele parado na esperença que tivesse sido só uma pequena reclamação, e que o coitado fiat me levaria depois a bom porto para descansar-mos e o levaria logo pela manha a uma oficina.
Passado algum tempo de estar ali sentada á espera que meu carro descansasse um pouco comecei a sentir frio, a brincadeira da chuva parecia que ia sair cara, antes que gela-se mais, agarrei um casaco que tinha no banco de trás do carro tirei a blusa molhada e vesti-o. Esperava assim que não me constipasse ou algo do género. O que é certo é que estava muito frio e começava a sentir, decidi tentar dar á chave a ver se se operava algum milagre, até porque estava parada á mais de meia hora e não tinha visto um único carro sequer a passar por ali.
Rodei a chave mas não consegui mais que um click. Tentei de novo o mesmo som. Após vários clike`s, o quadro não me parecia o melhor, e sair sozinha para andar á deriva naquele momento pareceu-me a coisa mais estúpida que tinha feito na minha vida. Onde estava eu com a cabeça para pensar que  nada de mal poderia me acontece ao sair de casa, meter-me num carro a pedir reforma e andar centenas de quilómetros num dia só, estúpida mil vezes.